sábado, 22 de setembro de 2007

Intertextualidade.

um ponto importante dentro da literatura é a presença da intertextualidade, da influência de um texto sobre outro que o toma como modelo ou ponto de partida. Dessa forma, um texto se liga ao outro criando laços atemporais entre elementos presentes em ambos. Um pouco além da intertextualidade crua, integrando um pouco o espírito da Bienal do Mercosul, há a 'comunicação entre obras', posto que uma obra, ao se ligar a outra, gera uma espécie de laço, algo que as une e as torna reconhecíveis como semelhantes.
Tomando isso como sabido, escrevi um poema partindo de Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos, estabelecendo certa intertextualidade. Portanto, apresento o poema dele e, abaixo, o meu, desejando uma boa leitura.


Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

*

À Quimera Enquanto Viva

Falas da boca que beijas
Para a alma que idolatras,
Falas do corpo em que bebes
Para o espírito de que te serves.

Profana a casa em que dormes,
Refúgio do medo e insegurança,
Profana o abrigo em que te encontras,
Reduto de covardia e renúncias.

Vês, Quimera, desistes de viver,
Pois a morte lhe serve mais.
O engenho de teu enterro
Atrai poucos, ninguém assiste
O fim de teu patético definhamento.

Percebes, Quimera, a ausência
De ti mesma foste teu fim,
Feneceste por apartar-te de ti.
Morres sozinha à sombra do Mundo,
Enquanto eu aqui jazo, solitário,
À espera de teu renascimento.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Filosofia de Ser Humano

Lá estão os ventos
Lá está a grama em movimento
Lá estão as ruas que se perdem no momento
E lá estão as pessoas; já caíram no esquecimento

Estas passeiam sem discrição
Primeiro nos olham pelos cantos
Depois gritam a raiva do coração

Pisam na grama
E é o asfalto que é poético

E o vento que nos respira; pobre vento.

Sara Carra

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Desmutabilidade.

hoje me deparei com textos meus menos recentes, textos de fluidez hipnótica e gramática alarmante. Portanto, desejado por findar tal paradoxo, reescrevi um, fiz uma releitura - é este que posto. Espero que gostem. Boa noite, boa sorte. Beijos.

Desmutualidade

Entregaste-me teu coração,
E’u o recebi com aspereza,
Ruína apartada de bons tempos.
Querias que’u o reconstituísse,
Querias que’u o fremisse forte
Cum’a promessa de falso amor.
Nã’o faria em sã consciência,
Havia nenhuma razão
em restaurar o que’stá findo.
Teu coração não será pretexto,
Meu amor não será mitigação.

A ilha que não era amada

Dia após dia, Cirnão enfeitava sua ilha para seus visitantes. Plantava flores, enchia as árvores de frutos que parecessem apetitosos, marcava o caminho até sua casa com pedras. Ia até o mar trazer conchas, corais. À noite, trazia as estrelas para perto da sua ilha, com inveja das ilhas que pareciam ter mais brilho. Mas durante esses dias, Cirnão não recebeu nenhum visitante. Passavam os navios próximos à margem e Cirnão ia, receptivo, recebê-los, mas somente olhavam e nunca pararam. O coração de Cirnão doía, e ele tentava enfeitar ainda mais a ilha. Tentou fazer o caminho até ela mais fácil, tentou mostrar-se aos navios que passavam próximos. Mas nenhum esforço de Cirnão parecia trazer-lhe um visitante. E, a cada dia, parecia que as ilhas vizinhas, que sempre estiveram ali, estavam mais distantes, abandonando ainda mais Cirnão a sua solidão.
Cirnão passou a chorar à noite. Depois chorava também ao amanhecer. E por fim, suas tardes também se tornaram pranto.
Então Cirnão deixou de enfeitar a ilha. Não se importava mais em plantar flores, nem em ir ao mar trazer corais. Não tecia mais cortinas para as janelas, não enchia de fitas as árvores. O coração de Cirnão esqueceu-se de tudo isso, e ele vivia sem mais esperar por visitantes.
Em um dia de primavera, Cirnão, sentado na areia branca, viu de longe as árvores verdes sem fitas, e as achou belas. Caminhou até elas. Delicioso era o doce perfume das flores que sempre brotaram em sua ilha, que lhe parecia nunca ter sido sentido. Não sentiu falta das conchas no lago, elas ficavam mais bonitas no mar. Gostou das janelas sem cortina; não havia percebido que sem elas entrava mais luz.
Agora Cirnão passava seus dias a sentir a beleza de sua ilha. Enfeitava-a, mas não à espera de visitantes. Estes por vezes vinham, trazendo mais beleza à ilha, mas ao seu tempo partiam, deixando-a como a encontraram. Cirnão amava sua ilha, e nela foi feliz até onde o tempo nos permite saber.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

O Reencontro

Escrever é movimentar
Movimentar aquilo que
Estava preso
Escrever é dar-se
A liberdade
Liberdade pra
Se conhecer
Escrever é dar-se
O movimento
O movimento pra
Se reencontrar

domingo, 16 de setembro de 2007

Primeiras palavras -O prazer de ler

O Clube de Literatura do CMPA, que iniciou sua atuação em março do corrente ano, constitui-se num espaço especial para quem ama literatura e deseja compartilhar desse amor com outros colegas. Talvez seja surpreendente que, num mundo com as mais diversas formas de comunicação, cada vez mais aperfeiçoadas, o livro ainda resista. Há correntes que pregam a morte da literatura escrita, porém não acredito que isso ocorra, por uma simples razão: nada substitui a viagem imaginária proporcionada por um livro,nada nos coloca mais em contato com nós mesmos do que as palavras escritas, do que as experiências vividas ou imaginadas por escritores geniais ou, talvez, não tão geniais, mas sensíveis e capazes de nos transmitir suas emoções e pensamentos. A leitura nos propicia reflexões sobre a vida, além de interação com o outro, enriquecendo-nos mental e espiritualmente. Essa interação com o outro possibilita conscientização e discussão de problemas e dificuldades, superação de incertezas e angústias, oportunidade de crescimento, e vai constituindo uma rede que torna as pessoas mais próximas, mais unidas. As pessoas poderão, inclusive, tornar-se mais felizes e realizadas através das perspectivas e caminhos que a leitura proporciona.
Inúmeros escritores já abordaram a importância e a abrangência da palavra, porém há um poema de João Cabral de Melo Neto que pode sintetizar de forma metafórica essa visão. Como uma mensagem de boas-vindas ao blog do Clube de Literatura do CMPA, desejo compartilhá-la com os leitores, esperando que a teia agora iniciada se amplie e se fortifique cada vez mais, passando de uma cantor isolado para um grande coro que cante em uníssono por um mundo melhor.
TECENDO A MANHÃ
João Cabral de Melo Neto

Um galo sozinho não tece uma manhã;
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
( a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Maria Izabel da Silveira - Orientadora

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O Romance como Documento Histórico: Flush.

Os livros, mais especificamente os romances pertencentes ao realismo, constituem uma importante fonte de pesquisa histórica: neles se encontra, literalizado, todo um contexto histórico-cultural de um determinado período. Dessa forma, posto que todo livro é um documento histórico, a literatura é uma fonte inesgotável de recursos para a pesquisa – os romances são subsídios decisivos para a reconstrução de um momento histórico. Sabido isso, chegamos ao ponto de partida desse artigo, O Romance como Documento Histórico.
Alguns escritores dedicaram a sua vida à escritura de romances dentro de um período verossímil e real, como Liev Tolstói e Honoré de Balzac, retratando fielmente as características deste, como a vida da aristocracia russa e a vida da burguesia francesa. Portanto, seus escritos são decisivos para a compreensão de dois importantíssimos contextos históricos, assim como os de tantos outros escritores. Dentre tais escritores, temos Virginia Woolf, autora objeto sobre a qual vamos tratar.
Virginia Stephen, antes de ser desposada, nasceu em um contexto de Era Vitoriana, período extremamente rico em questões culturais, e viveu a maior parte de sua vida em um contexto Pós-Vitoriano, bastante rico em transformações histórico-culturais. Filha de um editor, desde cedo teve acesso à cultura; dessa forma, conheceu muito bem literatura e compreendeu bem o contexto em que se inseria. Por consegüinte, adquiriu gosto por estudos biográficos, realizando inúmeras pesquisas histórico-culturais que acabou utlizando em seus romances e ensaios. Portanto, sua obra é, notavelmente, fonte riquíssima em aspectos verossímeis das sociedades em que viveu, sendo um divisor de águas da própria cultura inglesa, em todos os aspectos. O romance no qual nos focalizaremos é Flush, no qual a autora retrata a Era Vitoriana sob a ótica de um cocker spaniel, animal que representava status na época.
Em Flush, há a protagonização curiosa de um cão. Ele, decendente de uma linhagem importante de cães, acaba por cair, vindo de uma escritora com problemas financeiros, nos braços de uma dama inválida membro da alta sociedade inglesa. Dessa forma, ele vivencia os dias de uma nobreza, assim como vivencia e absorve aspectos culturais desta mesma. Em suma, Flush é um meio de Virginia nos mostrar aspectos constituintes daquele contexto sem esteriótipos e falsos realismos, de forma até mesmo irônica, demonstrando por sob a relação afetiva entre o cão e sua dona, de forma extremamente sensível e perspicaz.
A obra começa com um relato sobre a origem etimológica da raça de Flush; desde esse começo, a autora se sustenta por datas e nomes de personagens que realmente existiram, assim como dados frutos de uma pesquisa minuciosa. Esse apontamento fica claro quando ela desenvolve a origem do nome Spaniel, retratando todas possibilidades de sua existência: "(...) a vegetação apareceu; onde há a vegetação, a lei da Natureza decreta que devam existir coelhos; e, onde existem coelhos, a Providência Divina ordena que existam cães. (...) Mas as dúvidas e as dificuldades surgem ao nos perguntarmos por que o cão que capturou o coelho foi chamado de Spaniel. (...) Os coelhos davam vida àquela terra. E Span, na língua dos catargineses, significa coelho. (...) E os cães, que vinham sempre no encalço dos coelhos, foram apelidados de Spaniels, ou ‘cães-coelheiros’.(...) chegamos ao País de Gales em meados do Século X. o spaniel já estava lá, trazido, segundo algumas fontes, pelo clã de Ebhor (...) ‘O spaniel do Rei vale uma libra", Howel Dha registrou em seu Livro de Leis. E, quando se pensa no que era possível comprar com uma libra (...) – esposas, escravos, cavalos, bois, perus e gansos –, fica claro que o spaniel era um cão de reputação e valor. (...)". Com essa pequena inserção, podemos captar uma série de fatores histórico-culturais: o povoamento e surgimento da Espanha; o ecossistema espanhol da época; o hábito predatório e sua concepção para as pessoas; o interesse dos nobres por artigos exóticos como animais estrangeiros; o valor de alguns desses produtos exóticos; uma noção da inflação, da valorização do dinheiro na época e a condição humana frente ao consumo e ato de compra. Então, é totalmente perceptível a riqueza da obra como fonte de pesquisa, posto que tantas informações acima citadas forma retiradas de menos de duas páginas do livro.
Portanto, assim inicio a demonstração da importância de literatura como registro histórico; a importância das obras realistas para a caracterização da cultura mundial. Por fim, componho o prelúdio de uma série de artigos que iremos postar com o mesmo título deste, frutos da nossa pesquisa e árduo labor.