segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O Romance como Documento Histórico: Flush.

Os livros, mais especificamente os romances pertencentes ao realismo, constituem uma importante fonte de pesquisa histórica: neles se encontra, literalizado, todo um contexto histórico-cultural de um determinado período. Dessa forma, posto que todo livro é um documento histórico, a literatura é uma fonte inesgotável de recursos para a pesquisa – os romances são subsídios decisivos para a reconstrução de um momento histórico. Sabido isso, chegamos ao ponto de partida desse artigo, O Romance como Documento Histórico.
Alguns escritores dedicaram a sua vida à escritura de romances dentro de um período verossímil e real, como Liev Tolstói e Honoré de Balzac, retratando fielmente as características deste, como a vida da aristocracia russa e a vida da burguesia francesa. Portanto, seus escritos são decisivos para a compreensão de dois importantíssimos contextos históricos, assim como os de tantos outros escritores. Dentre tais escritores, temos Virginia Woolf, autora objeto sobre a qual vamos tratar.
Virginia Stephen, antes de ser desposada, nasceu em um contexto de Era Vitoriana, período extremamente rico em questões culturais, e viveu a maior parte de sua vida em um contexto Pós-Vitoriano, bastante rico em transformações histórico-culturais. Filha de um editor, desde cedo teve acesso à cultura; dessa forma, conheceu muito bem literatura e compreendeu bem o contexto em que se inseria. Por consegüinte, adquiriu gosto por estudos biográficos, realizando inúmeras pesquisas histórico-culturais que acabou utlizando em seus romances e ensaios. Portanto, sua obra é, notavelmente, fonte riquíssima em aspectos verossímeis das sociedades em que viveu, sendo um divisor de águas da própria cultura inglesa, em todos os aspectos. O romance no qual nos focalizaremos é Flush, no qual a autora retrata a Era Vitoriana sob a ótica de um cocker spaniel, animal que representava status na época.
Em Flush, há a protagonização curiosa de um cão. Ele, decendente de uma linhagem importante de cães, acaba por cair, vindo de uma escritora com problemas financeiros, nos braços de uma dama inválida membro da alta sociedade inglesa. Dessa forma, ele vivencia os dias de uma nobreza, assim como vivencia e absorve aspectos culturais desta mesma. Em suma, Flush é um meio de Virginia nos mostrar aspectos constituintes daquele contexto sem esteriótipos e falsos realismos, de forma até mesmo irônica, demonstrando por sob a relação afetiva entre o cão e sua dona, de forma extremamente sensível e perspicaz.
A obra começa com um relato sobre a origem etimológica da raça de Flush; desde esse começo, a autora se sustenta por datas e nomes de personagens que realmente existiram, assim como dados frutos de uma pesquisa minuciosa. Esse apontamento fica claro quando ela desenvolve a origem do nome Spaniel, retratando todas possibilidades de sua existência: "(...) a vegetação apareceu; onde há a vegetação, a lei da Natureza decreta que devam existir coelhos; e, onde existem coelhos, a Providência Divina ordena que existam cães. (...) Mas as dúvidas e as dificuldades surgem ao nos perguntarmos por que o cão que capturou o coelho foi chamado de Spaniel. (...) Os coelhos davam vida àquela terra. E Span, na língua dos catargineses, significa coelho. (...) E os cães, que vinham sempre no encalço dos coelhos, foram apelidados de Spaniels, ou ‘cães-coelheiros’.(...) chegamos ao País de Gales em meados do Século X. o spaniel já estava lá, trazido, segundo algumas fontes, pelo clã de Ebhor (...) ‘O spaniel do Rei vale uma libra", Howel Dha registrou em seu Livro de Leis. E, quando se pensa no que era possível comprar com uma libra (...) – esposas, escravos, cavalos, bois, perus e gansos –, fica claro que o spaniel era um cão de reputação e valor. (...)". Com essa pequena inserção, podemos captar uma série de fatores histórico-culturais: o povoamento e surgimento da Espanha; o ecossistema espanhol da época; o hábito predatório e sua concepção para as pessoas; o interesse dos nobres por artigos exóticos como animais estrangeiros; o valor de alguns desses produtos exóticos; uma noção da inflação, da valorização do dinheiro na época e a condição humana frente ao consumo e ato de compra. Então, é totalmente perceptível a riqueza da obra como fonte de pesquisa, posto que tantas informações acima citadas forma retiradas de menos de duas páginas do livro.
Portanto, assim inicio a demonstração da importância de literatura como registro histórico; a importância das obras realistas para a caracterização da cultura mundial. Por fim, componho o prelúdio de uma série de artigos que iremos postar com o mesmo título deste, frutos da nossa pesquisa e árduo labor.

Um comentário:

MIS disse...

Excelente tua resenha! Acho que será uma grande contribuição para maior conhecimento dos cenários históricos que estão por trás de inúmeros romances da literatura mundial. Parabéns!
E achei linda a foto de abertura!