quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Objecto de Decepção

uma poema de carnaval, beijos.


Objecto de Decepção,

Me desprezas com frieza
por eu ter delinqüido.
Me cospes, pisas,
usas de palavras
que me expõem as vísceras
– fazes de meu delito um látego.

Sim, meu amor, arde-me a culpa,
mas não a culpa do ato,
a culpa da culpa,
que por ela me desato,
mato,
longe de ti
que jaz nesse regato.

Por que me consomes assim?
não despojo conseqüências,
mas não desejo o fim.

Vem, meu amor,
faz-me sorrir por ti novamente,
some com essa mácula ardente
antes que o sol se ponha poente.

Rafael Souza Barbosa.

domingo, 27 de janeiro de 2008

Desejos

anseios de não-escrever. bom começo de semana, beijos.

Desejos,

Eu quero o que paira sob a palavra,
a delicada camada de significação
que notas fônicas compreendem e ocultam.

Eu quero a forma pura das coisas,
não a substância, que é um mero meio
delas se firmarem e virem à tona.

Eu quero o olhar, não o toque,
que obstruí os poros e impede
de perceber e sentir livremente.

Eu quero flutuar sobre os versos
não escritos, só pensados, os versos que
abarcam a mais profunda realidade.

Rafael Souza Barbosa.

domingo, 20 de janeiro de 2008

Poça

um viva à semiótica. um bom começo de semana, beijos.

Poça,

Penetrar a lama,
chafurdar no pântano,
tornar silvo o que era brama.

Calar,
cobrir-se com o lodo,
deixar que o peso
do próprio fado
empurre para o fundo:
não há empuxo.

Esquecer do próprio corpo
como se o colocasse nas mãos de Deus.

Só há as mãos vagas, os cabelos enlameados,
a tranqüilidade do esquecimento,
a serenidade da indulgência,

o olhar cego que mira ininterrupto a vastidão do insubstancial.

Rafael Souza Barbosa.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Limiares

versos, versos, versos... o ser ao reverso.

Limiares,

Ancoro o discurso no silêncio,
no vazio do bizarro âmago
que se faz com a ausência das palavras.

Intermitente,
a carência de nome devassa o íntimo,
ora intensa, ora frouxa,
como se ruísse a soma dos anos.

E o vácuo lexical se dilata e se expande,
devora os traços de civilização que se transportam
em inúmeros e diversos signos carentes de significante.

Impera a quietude, o labiar mudo,
a presença pura da essência,
a exposição da substância íntima e involucral.

Sucumbiram-se os vocábulos,
o cerne escorreu e cobriu a maculada face
com o bruto, essencial, primitivo,
que nos torna dissemelhantes
e tantas vezes espelhados.

Aflora a nossa natureza
por sobre nossa face e corpo,
somos cobertos ao reverso
de que fôramos antes.

Será o ápice, amor?
A pobreza, o fim do coletivo?
A ausência de nome que nos transporta ao universo um do outro?
A entrada naquilo que nos torna unos?
A verdade que se nos enlaça e almagama?
Que nos põe ditos, completos, existentes?

Rafael Souza Barbosa.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Hades

um pouco de versos. beijos.

Hades,

À margem do Estige, vagante,
com nenhum lugar à barca de Caronte,
procuro o fim da minha sina dilacerante,
procuro o fim do que me é extenuante.

Sob meu peito latejante
trago a marca abrasante
que me põe asfixiante
– meu suspiro ululante
não oculta tal dissonante
sinal de uma vida nauseante.

Arquejante,
não mais me omito a vida aviltante,
que me foi tão frondejante,
que sustentei com rompante,
e digo minha escondida verdade sussurrante.

Arfante,
sob essa luz bruxuleante,
caço entre a treva penetrante
as águas que põem fim ao agonizante,
as águas do Letes chamejante.

Sacrificante,
mergulho no esquecimento, meu único meio edificante.

Rafael Souza Barbosa.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Matéria de Salvação

Que o novo ano vos traga em brasa a vida e tudo o que ela abarca. abraços.

Matéria de Salvação,

Digo-te com brutalidade porque tenho necessidade de dizer.

As palavras emergem com uma facilidade assustadora,
eu sei,
mas, se não as deixasse emergirem,
acabaria por trair minha espontaniedade.

E, por trair minha espontaniedade,
eu trairia aquilo que tu me fazes sentir
- és meu meio de expressar amor.

Também sou teu meio, teu incerto meio,
sirvo para algo que ainda não sei bem.

Sou um nome qualquer, sem causa ou efeito,
até despontar de teus tenros lábios,
como seis letras vazias que introduzem o pecado.

Tu me fazes e desfazes com sutis timbres,
tuas palavras uníssonas despertam minha existência.

Sou transformado a cada momento em que
confirmas minha vida exercitando minha alma.

Sou o pecado em teus lábios,
O Deus acima de nós me pune por tal leviandade,
a leviandade de ceder minha essência a um mortal.

Traí Deus, traí o espírito superior,
ambos invejam aquilo que possuo,
invejam minha matéria de salvação.

Eles me amaldiçoam por não mais possuírem a minha alma.

Pois alcançei a plenitude não com Suas orações,
mas com o inevitável ardor que me fazes sentir
tão bem.

Vem, dá-me tua mão
- minha alma já tens acorrentada.

Vem, estamos esquecidos por Deus,
podemos andar sem um olhar inquisidor sobre nossas costas.

Podemos andar sem o peso do juízo,
podemos andar sem o martírio divino,
podemos andar juntos livremente,
passo sobre passo,
em direção ao Inferno.

Rafael Souza Barbosa.