quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Por Sob o Pensamento

Por Sob o Pensamento,

De que adianta se expressar
quando o que se quer
está na plenitude do silêncio?

De que adianta desdobrar a memória
em palavras que traem
a abastada camada da lembrança?

Eu escrevo por temer esquecer,
e por temer eu me negligencio aquilo
que só caberia num ínterim de contemplação,
na completa mudez estagnada
ante o intermitente vislumbre.

Pois só o vislumbre consciente do passado
é puro e verdadeiro, as palavras não são
capazes de captar a essência,
elas sempre subjulgam a tratam com neutralidade
aquilo que lhe deveria ser a razão de existir.

E assim eu degrado minha impressão do passado.

Como traduzir em palavras a magia de nosso encontro?
– meus olhar posto em tua direção, meus sorrisos por mirar-te,
o jeito com o qual moveste o lábio superior para sorrir,
a forma sutil com que teus dedos folhearam o cardápio –
Como transformar uma fina camada nervosa em algo sólido e nítido?

A minha lembrança se esvaece,
e com ela tenho medo de te perder.
Não, eu sei que não te perderia,
mas eu me perderia
por perder a lembrança
onde vive a minha maior significação.

Então, meu amor, eu preciso achar
a medida exata para transpor em palavras
e, assim, solidificar aquilo que se me pode perder.

Ah, mas é tão vasto, tão peculiar
que terei de repousar sobre todo
o mundo gramatical para achar o tom.

E assim eu vou nos narrar prolixicamente sem sentido,
fixo naquilo em que o tempo me toma tão injustamente.

Rafael Souza Barbosa.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Recôndito

Recôndito,

Ainda que se fechem as janelas, meu pai, é certo que amanhece.

Hilda Hilst

Devassam-me onipresentes dedos
de voraz tato
com tanta avidez que
pelo colo
dominam meu corpo inteiro.

O toque se distende pelo seio,
as mãos rijas agarram os ombros
que sustentam
a minha lassa carcaça.

Inteiramente entregue,
meus olhos delatam
e relatam
a recôndita culpa
que me fora inquirida.

O ulular ecoa
com meus lábios cerrados,
e a lamúria que se me transborda
pelo olhar
encharca
meu parco leito.

E os braços se me enrolam
e comprimem
de forma
a me asfixiar,
a me punir,
a me torturar.

E eu não escapo
do que me é fado,
do que range os meus ossos
e me consome
do espírito à pele.

Minhas pernas se contraem
e os braços se me atam
e me prostram
enquanto o ardor cresce
e dilata as minhas vísceras.

Queima, meu pai, como queima,
mas sei que hei delinqüido
e essa pena é meu mérito maior.

E eu só gostaria, meu pai,
de que teus braços me envolvessem
e sufocassem,
pois os meus cansam e afrouxam
enquanto eu sei que mais deveria vir
a inflamar-me
e a consumir-me.


Ah, como eu gostaria de que
a mão inquisidora minha não fosse,
de que os braços que me oprimem
pertencessem a outro.

Ah, pai, como eu gostaria de que fosses tu,
não eu,
que me impelisse para esta triste sina,
a arder pela chama que eu mesmo alimento.

Rafael Souza Barbosa.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Nos Mares

Nos mares dos desejos
Estou eu entre teus beijos
Nos mares das vitórias
Estás tu; triste história

Nos mares do amor
Estou eu; inferno, calor
Nos mares das conquistas
Estás tu; triste e mentira

Nos mares das crenças
Estou eu; devoto em doenças
Nos mares das vivências

Estás tu; triste essência
Nos mares das virtudes
Estou eu; fora e pútrida.

Sara A. Carra

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Da Gruta

logo os trabalhos recomeçarão. beijos.

Da Gruta,

E da película fina de carne
que me cobre os ossos
vem o fremido que me faz
bramir,
tremer,
suspirar,
ranger.

E me faço todo de impulsos,
com braços inquietos,
com lábios arquejantes.

E eu sorrio,
rio,
e me agito todo
nesse escombro
sombrio.

Rafael Souza Barbosa.