Recôndito,
Ainda que se fechem as janelas, meu pai, é certo que amanhece.
Hilda Hilst
Devassam-me onipresentes dedos
de voraz tato
com tanta avidez que
pelo colo
dominam meu corpo inteiro.
O toque se distende pelo seio,
as mãos rijas agarram os ombros
que sustentam
a minha lassa carcaça.
Inteiramente entregue,
meus olhos delatam
e relatam
a recôndita culpa
que me fora inquirida.
O ulular ecoa
com meus lábios cerrados,
e a lamúria que se me transborda
pelo olhar
encharca
meu parco leito.
E os braços se me enrolam
e comprimem
de forma
a me asfixiar,
a me punir,
a me torturar.
E eu não escapo
do que me é fado,
do que range os meus ossos
e me consome
do espírito à pele.
Minhas pernas se contraem
e os braços se me atam
e me prostram
enquanto o ardor cresce
e dilata as minhas vísceras.
Queima, meu pai, como queima,
mas sei que hei delinqüido
e essa pena é meu mérito maior.
E eu só gostaria, meu pai,
de que teus braços me envolvessem
e sufocassem,
pois os meus cansam e afrouxam
enquanto eu sei que mais deveria vir
a inflamar-me
e a consumir-me.
Ah, como eu gostaria de que
a mão inquisidora minha não fosse,
de que os braços que me oprimem
pertencessem a outro.
Ah, pai, como eu gostaria de que fosses tu,
não eu,
que me impelisse para esta triste sina,
a arder pela chama que eu mesmo alimento.
Rafael Souza Barbosa.
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
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