quarta-feira, 19 de setembro de 2007

A ilha que não era amada

Dia após dia, Cirnão enfeitava sua ilha para seus visitantes. Plantava flores, enchia as árvores de frutos que parecessem apetitosos, marcava o caminho até sua casa com pedras. Ia até o mar trazer conchas, corais. À noite, trazia as estrelas para perto da sua ilha, com inveja das ilhas que pareciam ter mais brilho. Mas durante esses dias, Cirnão não recebeu nenhum visitante. Passavam os navios próximos à margem e Cirnão ia, receptivo, recebê-los, mas somente olhavam e nunca pararam. O coração de Cirnão doía, e ele tentava enfeitar ainda mais a ilha. Tentou fazer o caminho até ela mais fácil, tentou mostrar-se aos navios que passavam próximos. Mas nenhum esforço de Cirnão parecia trazer-lhe um visitante. E, a cada dia, parecia que as ilhas vizinhas, que sempre estiveram ali, estavam mais distantes, abandonando ainda mais Cirnão a sua solidão.
Cirnão passou a chorar à noite. Depois chorava também ao amanhecer. E por fim, suas tardes também se tornaram pranto.
Então Cirnão deixou de enfeitar a ilha. Não se importava mais em plantar flores, nem em ir ao mar trazer corais. Não tecia mais cortinas para as janelas, não enchia de fitas as árvores. O coração de Cirnão esqueceu-se de tudo isso, e ele vivia sem mais esperar por visitantes.
Em um dia de primavera, Cirnão, sentado na areia branca, viu de longe as árvores verdes sem fitas, e as achou belas. Caminhou até elas. Delicioso era o doce perfume das flores que sempre brotaram em sua ilha, que lhe parecia nunca ter sido sentido. Não sentiu falta das conchas no lago, elas ficavam mais bonitas no mar. Gostou das janelas sem cortina; não havia percebido que sem elas entrava mais luz.
Agora Cirnão passava seus dias a sentir a beleza de sua ilha. Enfeitava-a, mas não à espera de visitantes. Estes por vezes vinham, trazendo mais beleza à ilha, mas ao seu tempo partiam, deixando-a como a encontraram. Cirnão amava sua ilha, e nela foi feliz até onde o tempo nos permite saber.

Um comentário:

Rafael Barbosa disse...

Um belo texto, definitivamente. inclusive, o ar mitológico integrado à simbologia está fantástico.
parabéns. :)