segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A Flama

feliz Natal. beijos.

A Flama,

A chama que seduz,
e clama,
insana conclama
a dama
que amalgama
a própria
lama.

A dama
que embalsama
a mama,
que por baixo da escama
sufoca a própria brama.

Acama,
e nem se quer por um miligrama
de corpo reclama,
pois ainda se esparrama
e difama
e trama
o alheio drama.

E a flama
inflama
a torpe mucama
que pela rama
viveu na cama
e nada proclama,
pois nem o próprio diagrama
verdadeiramente ama.

Rafael Souza Barbosa.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Mrs.Teresse

Hoje vou postar uma pequena cena. um bom final de semana a todos, boa noite, boa sorte. beijos.
*
Mrs.Teresse,
*
Há algumas horas, ela dançava entusiasmadamente em um salão moderno; ela dançava delicadamente, como um narciso balançado pelo vento. Seus olhos brilhavam, seu vestido brilhava; ela era toda luz, ora a dançar, ora a flertar com senhores em seus ternos escuros. Sua beleza era realçada com um arquear de sobrancelhas; ela possuía um olhar determinado, profundamente interessado por aquilo que enxergava. Cada passo, cada gesto despretencioso indicava um espírito, uma alma infinitamente livre – ela era verdadeira em si mesma. Sua estabilidade, sua segurança, era oriunda de séculos atrás; ela, pois, herdara essas características de sua avó, de sua mãe, senhoras certas de suas posições, crentes em suas concepções. Com um sorriso, com uma taça à mão, ela exercia habilmente sua capacidade de ser oportuna, extremamente polida sem enfado; ela era a salvaguarda de uma ordinária e habitual convenção social. Talvez, como conseqüência de sua notável presença, ela fosse a preferida de de mr.Fontaine, um cobiçado cavalheiro, abastado e atraente.
“Olá, mrs.Teresse.” ele havia dito há poucos instantes.
“Ah,” ela se virou graciosamente, com uma taça à mão e um sorriso nos lábios “olá, mr.Fontaine.”
“Eu acho que comentei que você poderia me chamar de Tristan, assim como eu a chamo de Teresse.”
“Ah, comentou, sim, mr.Fontaine.” Percebendo o equívoco, ela retifica, com um arquear de sobrancelhas e uma piscadela admirativa “Mas, mr.Tristan, está gostando da festa?” Interessantemente, ela, às vezes, recorria a diálogos triviais demais, sem se desmerecer.
“Uma típica festa de Rowena – pianistas, bebidas e Londres.” Ele comenta ironicamente.”
“Ah, também acho que a mrs.Drake convida pessoas em excesso.”
Ela, conforme a conversa se desenvolvia, tornava-se ainda mais interessante – era isso que mr.Fontaine realmente prezava, a incrível capacidade que Teresse tinha de compreender o que diziam, de prosseguir promissoramente o diálogo, diferentemente daquelas mulheres estúpidas que sorriam vagamente, enfadonhas.
“Não é somente eu, então, que me sinto sufocado entre tantos trajes negros.”
“Não afirmaria com tal veemência, mesmo concordando;” aproxima-se do ouvido de Tristan, num ato de cumplicidade “essas pessoas, porém, acostumaram-se de tal forma a essas festas que nem se preocupam mais – é o trabalho de beber gratuitamente e discutir amenidades.”
Ele achava realmente fantástica sua facilidade para ser sincera e impessoal.
“É, então volto a sentir-me sozinho.” Sorri, realçando sua doce altivez.
“Londres, essas grandes reuniões, essas inúmeras pessoas, constituem o melhor contexto para sentir-se sozinho.” Ela transforma seu sorriso, sem perder a ternura. “E, agora, deixar-lhe-ei um pouco mais sozinho.” Ela acena graciosamente; havia visto mrs.Bell passar, mas a alcançaria facilmente.
Enquanto Teresse se afastava, ele pensava no que seus olhares e sorrisos tentavam exteriorizar; ele pensava na sua atipicidade, ele pensava em como ela o cativava facilmente só por ser ela mesma, extraordinária. Tristan estava feliz, realizado, pleno – ela não lhe deixara mais sozinho.

sábado, 8 de dezembro de 2007

O Objecto Abjecto

um bom final de semana a todos. abraços.

O Objecto Abjecto,

Há algo involucral que fremi e perturba.
Amalgamado, há algo que persegue.

Mantemo-nos em fuga, esgueirando
furtivamente pelos nossos vãos.

O constante subterfúgio é o que nos
Impulsiona, que tolda as cinzas das horas.

Somos rápidos, somos fortes;
somos vulneráveis, somos frágeis.

Durante a fuga, tentamos distender
a massa indivisível, dissolvê-la.

Nossa essência também se distende,
e se perde, e se degrada ao passo de.

Temos de voltar, temos de recuperar
nosso ser mais profundo, temos de
reaver aquilo que sem não sobreviveremos.

Temos de mesclar o sentimento de forma que
ele se torne vivível, que se acople à substância
de forma não nociva, que se torne tolerável.

Não mais esmorecimentos, não mais esquivas
exasperantes, infindáveis – não mais objecto abjecto.
Um indício de quietude, a paz dos mortos pré-vida...

Comum a nós, reconhecível em nós,
o pulsar primitivo que nos permite compreender,
compreendermos a mim, a ti – compreendermos a nós.

A força selvagem que nos torna humanos.

Rafael Souza Barbosa.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Orquestra Desarmônica


O mundo é uma orquestra.
Cada um de nós,
Somos os instrumentos
Os instrumentos estão
Tocando tonalidades
Pelas quais estão sendo
Atraídos.
Alguns estão surdos.
Estão fora da tonalidade
Que todos deveriam estar
Tocando.
Há harmonia em
Uma parte da orquestra.
A outra parte não está
Ouvindo bem.
Outros estão desobedecendo
O maestro.
Ouvir, ouvir e sentir.
É necessário para que
Haja completa harmonia.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Escaparemos do "nada"?

Um dia todos nós nos tronaremos cinzas de nosso próprio eu! É, é um texto estilo Barroco, mas que importa? Não seremos, nós, apenas 50% luz, coisas boas e etc e 50% terror, sombra escuridão?
É natural evitarmos pensar que morreremos como todos os outros, nossa tendência é nos imaginarmos especiais, com poderes sobrenaturais e não sei o quê. E ainda reclamamos quando uma criança, brincando de super-herói, atrapalha nossa tão mais importante fofoca com a vizinha.
Hoje acordei irritada, revoltada. E quando isso acontece, não meço minhas palavras, afinal, eu sou mais importante que todo mundo e todo mundo é mais importante que eu. Mas, na minha cabeça, apenas eu sou mais importante que todo mundo, a 2a parte não interessa.
Até eu perceber que toda essa minha importância, se reverterá em cinza, em sombra, em NADA! NADA, NADA, NADA! O "nada" ainda ecoa em minha cabeça, com suas milhões de micropartículas de som de "nada" em minha cabeça.
Olhamos para um mendigo e pensamos com orgulho no que nos tornamos- o que, claro, é uma grande comparação. Pensamos nos nossos sonhos realizados, no nosso conforto e etc, e olhamos entre orgulhosos e penosos para o ser que ali habita, deitado, com frio, com fome, com sede, bêbado e sem esperanças.
Há aqueles que acreditam em céu e inferno, aqueles que acreditam na vida após a morte... até aqueles que, simplesmente, não acreditam, mas todos se julgam os donos das verdades absolutas, como se nós, seres humanos, tivéssemos a capacidade e a responzabilidade de carregarmos um fardo tão pesado, mesmo sabendo que, só por levantarmos cedo, já reclamamos de 1001 coisas que nem sabemos direito quais são e o por quê da reclamação.
E, pra finalizar eu pergunto aos meus tristes leitores: mesmo se um dia beeem remoto tivermos toda a verdade em nossas mãos, formos os donos da verdade, escaparemos do "nada"?
*Eu avisei que era um texto estilo Barroco, donos da verdade*


Sara Carra

Uma Ave sem Destino



Sou um pássaro que voa sem destino. Tenho poder para controlar minhas asas, mas não para controlar para onde vou.
Não tenho domínio da minha vontade, por isso, ela me domina. Sou levado pelo vento sem fazer idéia para onde. Sob mim, há apenas o azul das águas. Sua beleza estende-se pelo horizonte. Quanto mais me distancio, mais o brilho do sol aproxima-se de mim.
A claridade escurece minha visão. Agora já nem vejo onde estou. Devagar minhas asas se fecham. Com rapidez desço e ao aproximar-me do solo, elas se abrem novamente. Não sei onde pousei, mas a terra é fofa. Caminho e apesar de não poder ver, percebo que se trata de uma montanha.
Quando surge a noite, volto a ver. Na escuridão, eu estou perdido e sem saber para onde ir. O silêncio e o frio me fazem companhia em vão. A solidão que sinto é mais forte que qualquer consolo.

Sábado Ou Domingo

Acabei há pouco o texto abaixo e resolvi postá-lo. Não encontrei alguma categoria textual para enquadrá-lo, então o deixo como um pequeno monólogo. Bom começo de semana a todos.
*
Sábado ou Domingo
*
A massa disforme de corpos em movimento contínuo oprime meus movimentos. As listras brancas estão cobertas por pés em passo ininterrupto, a marcha dos organismos vivos encobre todo e qualquer vão de chão tangível - eu estou imóvel enquanto observo o andar compassado da multidão. As cores que passam, múltiplos matizes discrimináveis, tingem a paisagem abastadamente, preenchendo-a com borrões hipnotizadores de variados corpos - eles me seduzem, eles me atraem para o meio daquela constante desordem.
Minha forma corpórea é impelida para a enorme aglomeração enquanto minhas pernas começam seu movimento frenético de seguir em frente. Eu sorrio por instantes, o calor da profusão de corpos faz-me sentir seguro, afasta a sensação fria de um dia de inverno. Um dia de inverno - sábado ou domingo? Não saberia dizer sem raciocinar sobre os dias anteriores. Intrinsecamente, não me importava o dia exato. Era um dia qualquer, mais um dia; o dia. Se eu me reportasse ao que vivia, a discriminação nominatória deles não faria algum sentido verdadeiro: eram nomes. Nomes que surgem, sucedem-se e repetem, sem alguma significação verdadeira. Nem ao menos o próprio domingo pode ser considerado significativo. Eram somente nomes que estabeleciam uma ordem e referência; não para mim. Havia me despojado daquele traço de civilização, começara a encarar aqueles períodos claros e escuros como um bloco contínuo de condições. O dia sucedia a noite e a noite sucedia o dia em ciclos circulares que nunca acabam. Às vezes, a roda aumenta ou diminui a rotação, mas nunca deixa de rodar da mesma forma. Penso que esta sucessão não passa de um reflexo da própria vida: a multidão anda em dada cadência, que diminui e acelera conforme algo indefinível, e acaba por estagnar em um marolar imutável. Isso me ocorre talvez por minha vida ser assim: é fado a tentativa de impor aos demais a própria condição em uma tentativa de reconhecimento. Eu tento reconhecer minha condição sem me afastar da realidade coletiva, buscando em outros indivíduos as mesmas características que me atormentam como forma de justificação – a justificação individual não possui intensidade suficiente para se manter e consolidar. Busco ir do individual para o coletivo como forma de sufocar o questionamento de forma que a existência se torne mais palpável e menos desenfreada – ir para o comum é um modo de garantir o controle e compreensão.
Agora, deixarei que meu corpo tome parte à profusão. Quero deixar que ele suma em meio a esses matizes para que eu encontre na totalidade a substância de existir que me falta – quero que a justificativa imparcial da multidão me circunde e contenha de forma com que eu consolide a minha vida com a consistência de uma verdadeira definição. Quero me submeter ao passo vulgar de forma com que a sua verdade seja a minha verdade, de forma com que eu possa me justificar de forma saciável e única.
Agora, eu me abandono do indivíduo como um corpo coletivo, destituindo-me de toda e qualquer subjetividade.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Culto ao Meu Deus Onírico

Um pouco de poesia romântica em verso de minha autoria para começar a semana. aliás, um bom começo de semana a todos. abraços.

Culto ao Meu Deus Onírico,

Pudera eu te atar ao meu corpo:
tornar-te-ia refém dos meus craprichos.
*
Perpetuaria teus lábios postos sobre os meus,
em um contanto intermitente com tal intensidade
que me faz ficar eriçado; cessaria o atrito
no momento em que falasses, no momento em que
findasses o saciamento do corpo para iniciar
a satisfação da alma.
*
Colocaria teu peso sobre mim, com as mãos
a deslizar pelo corpo, destras e perceptíveis,
em um compasso de fremir toda a carcaça humana.
Teu busto me pressionaria de forma intensa e constante,
garantiria a segurança física de que tanto necessito,
proteger-me-ia da ardilosa insegurança que me toma
e avilta tão facilmente.
*
Eternizaria o brilho que teus olhos emanam,
que contagia os meus a fazer-me estremecer
e sorrir parvamente, libertando meu dócil
espírito infantil, desejoso de se aventurar
por tantas vielas que ocultas em ti.
*
Ah, quisera eu que o infindável dos nossos encontros
transcendesse a memória e atingisse a realidade,
transformando-nos em matéria bruta que sustenta tão
densa existência, unindo-nos em uma só alma inapartável.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Dama de Luz

Hoje vou postar um soneto classicista, composto exclusivamente para a revista literária. Boa leitura e bom resto de semana.

Dama de Luz,

A conduzir a carruagem de
Febo, foste posta, ó dama minha,
A traçar, em um céu de Nyx, fios de
Luz, eterna rutilante rainha.
*
Incrédula, Vênus vetou a verdade,
Negou que refulgiste, fez-te tinha,
expurgou-te do que era azul e verde,
baniu-te da vida, ò dama minha.
*
Tua carruagem não mais trilhara
Em céus negros, que outrora avivara,
A prostrar-me em escuridão fria.
*
A mim e a ti Vênus condenara,
No breu infindo, sem ti, eu jazera,
Amando-te sem tarde, noite e dia.
Rafael Souza Barbosa.

sábado, 20 de outubro de 2007

Encanto Hipnótico

Estivemos ausentes no blog devido a pesquisa para a feira de ciências; voltamos potencialmente energizados. Gostaria de agradecer todas as críticas que recebemos, além de ressaltar minha gratidão por alguns comentários que consumaram a validade do trabalho. Obrigado!
Então, como passei semanas sem postar, vim colocar um poema meu hoje. Pensei em fazer um breve comentário sobre ele, mas não vou: deixarei a livre interpretação. Uma boa noite.


Encanto Hipnótico

Buscar o prazer,
O toque dos lábios no escuro;
O êxtase em se perder, embevecido.

Cerrar os olhos,
Ver o mundo à frente sumir;
Adentrar nos encantos da noite.

Erguer as pálpebras;
Fitar um teto nu
Como se fosse repleto de estrelas;
Ser ofuscado por seu brilho ilusório.

Vislumbre finito.

Só há o peito nu
Onde a cabeça repousa;
As ilusões pertencem ao ébano da noite.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

PARABÉNS!

PARABÉNS, PESSOAL!
O trabalho foi excelente!
Extremamente ousado!
Valeu o esforço, pessoal!
Fomos extremamente elogiados!
VALEU!
Beijos
Até breve...

sábado, 22 de setembro de 2007

Intertextualidade.

um ponto importante dentro da literatura é a presença da intertextualidade, da influência de um texto sobre outro que o toma como modelo ou ponto de partida. Dessa forma, um texto se liga ao outro criando laços atemporais entre elementos presentes em ambos. Um pouco além da intertextualidade crua, integrando um pouco o espírito da Bienal do Mercosul, há a 'comunicação entre obras', posto que uma obra, ao se ligar a outra, gera uma espécie de laço, algo que as une e as torna reconhecíveis como semelhantes.
Tomando isso como sabido, escrevi um poema partindo de Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos, estabelecendo certa intertextualidade. Portanto, apresento o poema dele e, abaixo, o meu, desejando uma boa leitura.


Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

*

À Quimera Enquanto Viva

Falas da boca que beijas
Para a alma que idolatras,
Falas do corpo em que bebes
Para o espírito de que te serves.

Profana a casa em que dormes,
Refúgio do medo e insegurança,
Profana o abrigo em que te encontras,
Reduto de covardia e renúncias.

Vês, Quimera, desistes de viver,
Pois a morte lhe serve mais.
O engenho de teu enterro
Atrai poucos, ninguém assiste
O fim de teu patético definhamento.

Percebes, Quimera, a ausência
De ti mesma foste teu fim,
Feneceste por apartar-te de ti.
Morres sozinha à sombra do Mundo,
Enquanto eu aqui jazo, solitário,
À espera de teu renascimento.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Filosofia de Ser Humano

Lá estão os ventos
Lá está a grama em movimento
Lá estão as ruas que se perdem no momento
E lá estão as pessoas; já caíram no esquecimento

Estas passeiam sem discrição
Primeiro nos olham pelos cantos
Depois gritam a raiva do coração

Pisam na grama
E é o asfalto que é poético

E o vento que nos respira; pobre vento.

Sara Carra

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Desmutabilidade.

hoje me deparei com textos meus menos recentes, textos de fluidez hipnótica e gramática alarmante. Portanto, desejado por findar tal paradoxo, reescrevi um, fiz uma releitura - é este que posto. Espero que gostem. Boa noite, boa sorte. Beijos.

Desmutualidade

Entregaste-me teu coração,
E’u o recebi com aspereza,
Ruína apartada de bons tempos.
Querias que’u o reconstituísse,
Querias que’u o fremisse forte
Cum’a promessa de falso amor.
Nã’o faria em sã consciência,
Havia nenhuma razão
em restaurar o que’stá findo.
Teu coração não será pretexto,
Meu amor não será mitigação.

A ilha que não era amada

Dia após dia, Cirnão enfeitava sua ilha para seus visitantes. Plantava flores, enchia as árvores de frutos que parecessem apetitosos, marcava o caminho até sua casa com pedras. Ia até o mar trazer conchas, corais. À noite, trazia as estrelas para perto da sua ilha, com inveja das ilhas que pareciam ter mais brilho. Mas durante esses dias, Cirnão não recebeu nenhum visitante. Passavam os navios próximos à margem e Cirnão ia, receptivo, recebê-los, mas somente olhavam e nunca pararam. O coração de Cirnão doía, e ele tentava enfeitar ainda mais a ilha. Tentou fazer o caminho até ela mais fácil, tentou mostrar-se aos navios que passavam próximos. Mas nenhum esforço de Cirnão parecia trazer-lhe um visitante. E, a cada dia, parecia que as ilhas vizinhas, que sempre estiveram ali, estavam mais distantes, abandonando ainda mais Cirnão a sua solidão.
Cirnão passou a chorar à noite. Depois chorava também ao amanhecer. E por fim, suas tardes também se tornaram pranto.
Então Cirnão deixou de enfeitar a ilha. Não se importava mais em plantar flores, nem em ir ao mar trazer corais. Não tecia mais cortinas para as janelas, não enchia de fitas as árvores. O coração de Cirnão esqueceu-se de tudo isso, e ele vivia sem mais esperar por visitantes.
Em um dia de primavera, Cirnão, sentado na areia branca, viu de longe as árvores verdes sem fitas, e as achou belas. Caminhou até elas. Delicioso era o doce perfume das flores que sempre brotaram em sua ilha, que lhe parecia nunca ter sido sentido. Não sentiu falta das conchas no lago, elas ficavam mais bonitas no mar. Gostou das janelas sem cortina; não havia percebido que sem elas entrava mais luz.
Agora Cirnão passava seus dias a sentir a beleza de sua ilha. Enfeitava-a, mas não à espera de visitantes. Estes por vezes vinham, trazendo mais beleza à ilha, mas ao seu tempo partiam, deixando-a como a encontraram. Cirnão amava sua ilha, e nela foi feliz até onde o tempo nos permite saber.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

O Reencontro

Escrever é movimentar
Movimentar aquilo que
Estava preso
Escrever é dar-se
A liberdade
Liberdade pra
Se conhecer
Escrever é dar-se
O movimento
O movimento pra
Se reencontrar

domingo, 16 de setembro de 2007

Primeiras palavras -O prazer de ler

O Clube de Literatura do CMPA, que iniciou sua atuação em março do corrente ano, constitui-se num espaço especial para quem ama literatura e deseja compartilhar desse amor com outros colegas. Talvez seja surpreendente que, num mundo com as mais diversas formas de comunicação, cada vez mais aperfeiçoadas, o livro ainda resista. Há correntes que pregam a morte da literatura escrita, porém não acredito que isso ocorra, por uma simples razão: nada substitui a viagem imaginária proporcionada por um livro,nada nos coloca mais em contato com nós mesmos do que as palavras escritas, do que as experiências vividas ou imaginadas por escritores geniais ou, talvez, não tão geniais, mas sensíveis e capazes de nos transmitir suas emoções e pensamentos. A leitura nos propicia reflexões sobre a vida, além de interação com o outro, enriquecendo-nos mental e espiritualmente. Essa interação com o outro possibilita conscientização e discussão de problemas e dificuldades, superação de incertezas e angústias, oportunidade de crescimento, e vai constituindo uma rede que torna as pessoas mais próximas, mais unidas. As pessoas poderão, inclusive, tornar-se mais felizes e realizadas através das perspectivas e caminhos que a leitura proporciona.
Inúmeros escritores já abordaram a importância e a abrangência da palavra, porém há um poema de João Cabral de Melo Neto que pode sintetizar de forma metafórica essa visão. Como uma mensagem de boas-vindas ao blog do Clube de Literatura do CMPA, desejo compartilhá-la com os leitores, esperando que a teia agora iniciada se amplie e se fortifique cada vez mais, passando de uma cantor isolado para um grande coro que cante em uníssono por um mundo melhor.
TECENDO A MANHÃ
João Cabral de Melo Neto

Um galo sozinho não tece uma manhã;
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito que um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
( a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Maria Izabel da Silveira - Orientadora

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

O Romance como Documento Histórico: Flush.

Os livros, mais especificamente os romances pertencentes ao realismo, constituem uma importante fonte de pesquisa histórica: neles se encontra, literalizado, todo um contexto histórico-cultural de um determinado período. Dessa forma, posto que todo livro é um documento histórico, a literatura é uma fonte inesgotável de recursos para a pesquisa – os romances são subsídios decisivos para a reconstrução de um momento histórico. Sabido isso, chegamos ao ponto de partida desse artigo, O Romance como Documento Histórico.
Alguns escritores dedicaram a sua vida à escritura de romances dentro de um período verossímil e real, como Liev Tolstói e Honoré de Balzac, retratando fielmente as características deste, como a vida da aristocracia russa e a vida da burguesia francesa. Portanto, seus escritos são decisivos para a compreensão de dois importantíssimos contextos históricos, assim como os de tantos outros escritores. Dentre tais escritores, temos Virginia Woolf, autora objeto sobre a qual vamos tratar.
Virginia Stephen, antes de ser desposada, nasceu em um contexto de Era Vitoriana, período extremamente rico em questões culturais, e viveu a maior parte de sua vida em um contexto Pós-Vitoriano, bastante rico em transformações histórico-culturais. Filha de um editor, desde cedo teve acesso à cultura; dessa forma, conheceu muito bem literatura e compreendeu bem o contexto em que se inseria. Por consegüinte, adquiriu gosto por estudos biográficos, realizando inúmeras pesquisas histórico-culturais que acabou utlizando em seus romances e ensaios. Portanto, sua obra é, notavelmente, fonte riquíssima em aspectos verossímeis das sociedades em que viveu, sendo um divisor de águas da própria cultura inglesa, em todos os aspectos. O romance no qual nos focalizaremos é Flush, no qual a autora retrata a Era Vitoriana sob a ótica de um cocker spaniel, animal que representava status na época.
Em Flush, há a protagonização curiosa de um cão. Ele, decendente de uma linhagem importante de cães, acaba por cair, vindo de uma escritora com problemas financeiros, nos braços de uma dama inválida membro da alta sociedade inglesa. Dessa forma, ele vivencia os dias de uma nobreza, assim como vivencia e absorve aspectos culturais desta mesma. Em suma, Flush é um meio de Virginia nos mostrar aspectos constituintes daquele contexto sem esteriótipos e falsos realismos, de forma até mesmo irônica, demonstrando por sob a relação afetiva entre o cão e sua dona, de forma extremamente sensível e perspicaz.
A obra começa com um relato sobre a origem etimológica da raça de Flush; desde esse começo, a autora se sustenta por datas e nomes de personagens que realmente existiram, assim como dados frutos de uma pesquisa minuciosa. Esse apontamento fica claro quando ela desenvolve a origem do nome Spaniel, retratando todas possibilidades de sua existência: "(...) a vegetação apareceu; onde há a vegetação, a lei da Natureza decreta que devam existir coelhos; e, onde existem coelhos, a Providência Divina ordena que existam cães. (...) Mas as dúvidas e as dificuldades surgem ao nos perguntarmos por que o cão que capturou o coelho foi chamado de Spaniel. (...) Os coelhos davam vida àquela terra. E Span, na língua dos catargineses, significa coelho. (...) E os cães, que vinham sempre no encalço dos coelhos, foram apelidados de Spaniels, ou ‘cães-coelheiros’.(...) chegamos ao País de Gales em meados do Século X. o spaniel já estava lá, trazido, segundo algumas fontes, pelo clã de Ebhor (...) ‘O spaniel do Rei vale uma libra", Howel Dha registrou em seu Livro de Leis. E, quando se pensa no que era possível comprar com uma libra (...) – esposas, escravos, cavalos, bois, perus e gansos –, fica claro que o spaniel era um cão de reputação e valor. (...)". Com essa pequena inserção, podemos captar uma série de fatores histórico-culturais: o povoamento e surgimento da Espanha; o ecossistema espanhol da época; o hábito predatório e sua concepção para as pessoas; o interesse dos nobres por artigos exóticos como animais estrangeiros; o valor de alguns desses produtos exóticos; uma noção da inflação, da valorização do dinheiro na época e a condição humana frente ao consumo e ato de compra. Então, é totalmente perceptível a riqueza da obra como fonte de pesquisa, posto que tantas informações acima citadas forma retiradas de menos de duas páginas do livro.
Portanto, assim inicio a demonstração da importância de literatura como registro histórico; a importância das obras realistas para a caracterização da cultura mundial. Por fim, componho o prelúdio de uma série de artigos que iremos postar com o mesmo título deste, frutos da nossa pesquisa e árduo labor.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Blog criado: começando.

Este blog tem por objetivo apresentar e desenvolver textos e obras de arte da literatura.
O clube de literatura atua todas as segundas-feiras, às 2:30pm, e já vem funcionando desde o primeiro bimestre, este ano.
A coordenadora (ou professora, mesmo) do clube é a profª Izabel, e o mesmo conta com um pequeno número de integrantes, sendo sempre bemvindos novos participantes.
Bom, por enquanto é, isso. Com certeza me esqueci de algo, mas quando lembrar, volto e altero essa mensagem.
Valeu!

Ps.: está feito o blog, sora! Conforme prometido.